segunda-feira, 23 de abril de 2007

Anticonstitucionalissimamente correcto!

Esta é uma exemplar história.

Começou com a seguinte Carta de Reclamação que mandei ao CCB:

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Caros senhores,

Venho deste modo comunicar-vos o meu desagrado com algumas situações sucedidas nos Dias da Música, no CCB.

Primeiro que tudo congratulo-vos pela ideia e pelo evento em geral. O programa foi bom e já estou curioso pela próxima edição do ano que virá.
Em segundo - e por último, sendo que a ordem não é arbitrária -, quero dar-vos a conhecer algumas decorridas situações desagradáveis:

1) Comprei os meus bilhetes pela internet. No vosso site era-me dado a escolher os lugares. Qual não é o meu espanto quando me informam que os lugares afinal não são marcados. Não sei se algures no site dizia que os lugares não eram marcados, mas o facto de poder escolher claramente que dá essa indicação. Devo lembrá-los que num concerto de piano o lugar na sala é de extrema importância! Não me parece muito profissional esta forma de organização. Além do mais é enganador para quem compra, ou seja, o cliente.
2) Durante alguns concertos dei por muita gente a entrar bem depois do início. Acho que, não estando num concerto Rock, isto é INADMISSÍVEL!
3) Como se não bastasse o prejuízo tanto para a atenta plateia como para o artista, alguns dos assistentes não paravam no mesmo sítio, sendo o barulho da borracha dos seus ténis contra o pavimento notável em larga medida. Mais: aconteceu num concerto o assistente deixar cair uma moeda (será possível?) contra o mármore do chão, e noutro, logo a seguir, um molho de chaves (possível também?). Se o público português não é conhecido pelo seu comportamento "elegante" em concertos de música clássica, isto é claramente um caso de mau exemplo por quem deveria - e infelizmente por necessidade - vigiar.
4) Compreendo que tenham que negociar alguns pormenores logísticos em favor da flexibilidade que se exige das várias - e magníficas - salas que existem no CCB. No entanto, as cadeiras onde o público se sentava rangiam. Isto para mim é inédito em salas onde se toque música clássica. Penso que é um pormenor (importante) a rever para futuras edições deste evento.

Compreendo que neste tipo de ambientes se queira um ambiente mais ligeiro, mais descontraído. No entanto, o amadorismo nunca é bom augúrio!


Com os melhores cumprimentos,
Pedro Prats.

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Qual não é o meu espanto quando recebo a resposta que coloco aqui na íntegra. Vale a pena participar numa sociedade assim: não choveu no molhado.

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Exmo. Senhor,

Quero agradecer-lhe, em primeiro lugar, as palavras de apreço com que distingue, na sua mensagem, a primeira edição dos Dias da Música em Belém, que aqui realizámos no passado fim-de-semana. O evento terá a sua segunda edição de 18 a 20 de Abril de 2008 e, claro, contamos com a sua presença.
Os reparos que nos enviou, e que também agradeço, suscitam-me os seguintes esclarecimentos:
1) A natureza de um festival como este, com a sua sucessão de concertos e um calendário apertado sobretudo para os intérpretes (preparação, ensaios…), por um lado, e a impossibilidade física de renumerar os milhares de cadeiras necessárias, em formatos da sala variáveis, por outro, tornam inviável a numeração em todas as salas, designadamente naquelas que funcionam por adaptação à função concerto (é o caso, p.e., das salas Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner, Luiz de Freitas Branco). No entanto, os concertos no Grande Auditório são numerados, como certamente terá notado. Concordo que a informação no site terá que se tornar mais explícita quanto a este aspecto:
2) Tem razão quanto às entradas tardias nas salas. Apesar das instruções rigorosas dadas no sentido contrário, verificaram-se “fugas” (eu próprio as detectei em alguns concertos, mas em outro, no Pequeno Auditório, tive que ouvir as críticas dos que não se conformavam por não os deixarem entrar depois do início…) É um aspecto claramente a melhorar – e não é necessário revê-lo, porque a determinação existe;
3) Quanto ao comportamento do público, não posso, com pena minha, concordar inteiramente consigo. Como será possível exigir-nos (preventivamente) que vigiemos um molho de chaves que ainda não sabemos que vai cair no chão? Ou que evitemos o ruído dos ténis no mármore? Ou antecipar o imprevisto tilintar de uma moeda? O comportamento do público não é, aliás, diferente em Portugal do que se verifica em outras partes do mundo. Em todas as salas de concerto, de Paris a Nova Iorque, ouvi malas de senhora caírem no chão e, no Inverno, é muito frequente o irritantíssimo ruído do papel dos rebuçados para a tosse (mesmo não sendo Inverno, isso aconteceu no espectáculo de Maria João Pires!) Algum trabalho pode (e deve) ser feito nesse sentido; mas num festival cujo objectivo é claramente democratizar a música, há uma parte de “newcomers” dos quais não se pode esperar que actuem como se tivessem nascido na grande sala do Conservatório de Moscovo (e, mesmo aí…);
4) Tem razão quanto a este aspecto. Como terá notado, para preparar o CCB para um tão grande número de concertos, há que recorrer ao stock de alguns milhares de cadeiras que não são, especificamente, cadeiras de concerto. Grande parte delas vem ainda do início do CCB, em 1992; estamos a substituí-las progressivamente, a um ritmo anual compatível com as disponibilidades orçamentais. Mas garanto-lhe que vamos fazer um esforço suplementar (que já tinha aliás sido decidido pelo Conselho de Administração) no sentido de melhorarmos decisivamente este aspecto para a edição do próximo ano.

Permita-me, finalmente, uma reflexão pessoal, encorajada pela abertura com que nos expôs as suas razões. Por duas vezes, na sua comunicação, refere o “amadorismo” da organização. É uma referência que não posso deixar passar em claro: a existência de deficiências num festival que acolheu, em dois dias e meio, mais de dez mil pessoas (30.000 bilhetes emitidos) não permite, creio, deduzir daí o amadorismo de quem o organizou e pôs de pé. Como compreenderá, nada pode ferir mais quem se dedica com empenho e gosto à sua actividade profissional do que este atestado de incompetência que o qualificativo comporta. De toda a sua comunicação, é esta a única parte que rejeito em absoluto – em defesa do brio e do profissionalismo dos que trabalham na instituição a que tenho a honra de presidir. Não lhe peço que concorde; mas espero que compreenda.

Aceite os meus agradecimentos pelos seus reparos e os melhores cumprimentos do

António Mega Ferreira

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Quem responde assim não pode, sem dúvida, ser imputável de amadorismo. Nem essa foi alguma vez a minha ideia. Não posso também deixar de reparar na assinatura da resposta, que só enaltece a inegável atitude franca e acessível.

Que bom sinal para todos nós!

Tive que corrigir: quero apontar o que está mal e quero que se subentenda que o resto, o não referido, está por omissão bem. A participação não é deitar abaixo, certo, não deixa no entanto de ser lugar comum que "todos deitam abaixo, ninguém elogia".

Esta foi, então, a minha sinceríssima resposta:

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Aceito, compreendo e concordo.

Um obrigado sentido pela resposta atenta e imediata. Óptimo augúrio, outra vez, de que este evento melhorará com toda a certeza.

Quando referi os barulhos (chaves/moedas/ténis) permita-me a correcção: não me referia ao público - não é vossa responsabilidade e, bem vistas as coisas, faz também ele parte integrante de qualquer concerto de qualquer género musical, concordo - referia-me aos assistentes, pessoal da organização. Parece-me importante que a organização compreenda que o tal ambiente festivo em nada deve afectar o seu desempenho profissional.
Concordará que - e tenho sempre algum desagrado em apontar exemplos estrangeiros: a coisa bem feita é universal - tal dificilmente sucederá em Paris, Nova Iorque ou Moscovo (para usar as suas referências).

Deixe-me também aqui emendar a referência ao amadorismo. Não era minha intenção imputar-vos de amadorismo, friso! Admito a infelicidade da minha expressão e por ela peço desculpa. Queria apenas sugerir que as situações referidas podem induzir em erro o público mais abrangente - e menos conhecedor - inerente a este tipo de eventos. O ambiente de descontracção (necessário, não só nestes eventos "menos sérios" mas, a meu ver, em todos sem excepção) tem sempre o perigo de descambar - se me é permitido voltar à expressão desta feita melhor contextualizada - em amadorismo.
Sei que não é essa a vossa intenção.

Com os melhores cumprimentos,
um obrigado em nome dos que tiveram o privilégio de participar na primeira edição dos Dias da Música,

Pedro Prats.

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Diria que nem 5 minutos depois tenho nova missiva na minha caixa de correio:

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Ah, mas o caso muda completamente de figura. Se se referia aos assistentes, vamos imediatamente tomar medidas. Garanto-lhe que tudo faremos para melhorar esse aspecto. E, sendo este o ponto de partida, tem toda a razão no que se refere aos perigos de "amadorização". Obrigado pela correcção e releve-me o mal entendido.
Obrigado e até sempre.
A. Mega Ferreira

PS - Por favor, considere este endereço de mail para futuras comunicações que entenda dever endereçar-me directamente.

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Que bons exemplos, se me for permitida a imodéstia, o dele e o meu.

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